Gripe espanhola: como ela atingiu o Brasil e o pós-pandemia

O carnaval carioca em 1919 foi considerado uma libertação da pandemia que causou 35 mil mortes no país.

A gripe espanhola foi uma pandemia que assolou a humanidade no século XX. Estima-se que tenha matado entre 20 e 50 milhões de pessoas ao redor do mundo. A enfermidade chegou ao Brasil no final de 1918. Muitas pessoas adoeceram e faleceram no país também. Além disso, algumas medidas de saúde pública foram implementadas nas cidades. Para entender mais sobre esse momento e seu pós, conversamos com duas pesquisadoras da Fiocruz, Dilene Nascimento e Nara Azevedo.

Gripe espanhola origem

Os historiados e cientistas não chegaram a um consenso ou teoria comprovada de onde o vírus da gripe espanhola surgiu. Alguns acreditam que tenha sido nos Estados Unidos e disseminado pelos soldados durante a primeira guerra mundial. Porém o nome da enfermidade se deu, pois a imprensa espanhola era a que mais divulgava as informações sobre a pandemia. Já que o país se manteve neutro na guerra, então não sofreu censura.

Primeira Guerra

O começo da pandemia da gripe espanhola coincidiu com o fim da primeira guerra. Essa coincidência contribuiu muito para que os casos aumentassem. Pois os soldados infectados na guerra voltavam para casa e levavam consigo o vírus da doença. Além disso, a guerra deixou a população mais vulnerável a adquirir o vírus, pois as pessoas estavam em uma situação de carência.

A gripe espanhola e a Covid-19

Nos tempos do coronavírus, a gripe espanhola foi muito relembrada e comprada com o momento atual. É possível traçar, mesmo que poucas, algumas semelhanças entre as duas pandemias. Ambas doenças começaram com um vírus desconhecido por cientistas, então, sem tratamento ou vacina para combate-los. Os sintomas eram parecidos, febre, tosse, fadiga, coriza. As duas doenças também têm uma taxa alta de transmissão e mortalidade. A historiadora Nascimento ainda aponta que em momentos de epidemia, são comuns as atitudes de descaso dos governos, para não causar alarde e tentar manter a calma. Contudo, ela acrescenta que com o tempo as autoridades tomam consciência e evocam medidas de proteção e prevenção. O que, segundo ela, não aconteceu no Brasil, o descaso continuou em meio à alta de casos e óbitos.

A pesquisadora Azevedo aponta que os dois momentos não são totalmente comparáveis. Embora em ambos os momentos existiram muitos impactos sociais, a ciência já avançou muito. “Mesmo que hoje se saiba pouco sobre esse vírus - estamos aprendendo durante o processo -  há muito conhecimento acumulado em biologia, virologia, nesses últimos 100 anos” ela diz. Ela ainda afirma que hoje podemos contar com um sistema de saúde pública, o SUS, eficiente, 100 anos atrás não havia sequer ministério da saúde. “Para a população isso significava não ter assistência médica pública, contando apenas com filantropia de cunho religioso e privado” completa a pesquisadora.

Gripe espanhola Brasil

A gripe espanhola chegou ao Brasil por volta de setembro 1918 e ficou no país até meados de novembro do mesmo ano. Historiados acreditam que pelos navios que vinham da guerra. Dados da Fiocruz indicam que entre outubro e dezembro de 1918, 65% da população brasileira adoeceu. A pandemia acarretou cerca de 35 mil mortes no país. Inclusive, o primeiro presidente eleito, Rodrigues Alves, foi vitima da doença no Rio de Janeiro. O politico não chegou a tomar posse. A capital carioca foi uma das cidades mais afetadas pela doença, estima-se que 15 mil mortes aconteceram lá.

Os jornais da época mostravam como estava a realidade da população e como os números de casos iam sendo conduzidos.

Jornal gazeta em 1918 com uma grande machete que diz "o rio é um vasto hospital", se referindo à gripe espanhola.
Jornal gazeta em 1918

Além disso, os governos também tentavam amenizar a pandemia e aconselhavam que a população seguisse medidas preventivas.

Imagem mostra uma folha escrita "conselhos ao povo" com recomendações de proteção à população.
Imagem: arquivo do governo de são paulo

Estudos mostram que a situação estava tão grave no país que coveiros se contaminavam quando iam enterrar os corpos. Por isso, muitos eram deixados nas ruas, pelo medo das pessoas.

Uma curiosidade sobre esse momento é que para lidar com o vírus, na cidade de São Paulo, a população recorreu a um remédio caseiro que misturava cachaça com mel e limão. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça foi dessa receita supostamente medicinal que nasceu a caipirinha.

Pós-pandemia no Brasil

O pós-pandemia da gripe espanhola deixou alguns impactos sociais. Muitas mortes ocorreram e as pessoas não puderam velar seus entes, nem sentir o luto. Mas em 1919, quando a pandemia chegou ao fim, a população comemorou. Segundo a historiadora Nascimento, o carnaval carioca foi uma espécie de libertação. As pessoas foram às ruas para festejar o fim de todo o sofrimento. As escolas de samba fizeram desfiles com a doença como tema, uma provocação à pandemia. Por exemplo, a escola de samba "Democráticos" apresentou uma grande xícara com a inscrição “chá da meia-noite”, referência à bebida mortal que, acredita-se, era servida aos desenganados para acelerar o adeus.

Capa do jornal gazeta de 1919, com a manchete dizendo "o carnaval triunfante".
Jornal gazeta em 1919.
Foto do carnaval de 1929. Uma escola desfila com um xícara grande escrito meia noite.
Imagem: biblioteca nacional

Mas ainda sim, o final da pandemia deixou claro a desigualdade social. As consequências foram mais sentidas pelas camadas mais baixas da sociedade. Os óbitos foram mais altos, já que essas pessoas não tinham condições para fazer isolamento social ou seguir todas as medidas recomendadas. Essa realidade ainda se mantém nos dias de hoje. E os resultados nocivos que o coronavírus vai deixar refletem mais na população de baixa renda. Então, os impactos sociais que ambas pandemias deixam podem ser comparáveis.

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1 comentário
  1. Avatar de laura
    Laura Diz

    Muito bom!!!

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