Recurso travado do Fies pode levar universidades à falência

A expectativa é que o volume movimentado pelo Fies volte só em 2020; dívida do repasse já supera R$ 5 bilhões.

São Paulo - Sem fôlego para arcar com custos, pequenas instituições de ensino superior correm o risco de ter problemas financeiros e até encerrar operações em 2017, caso recursos para o Fies continuem em atraso. Atualmente, quase dois milhões de alunos estão irregulares nas faculdades e a dívida do repasse supera R$ 5 bilhões. Hoje deve ser votado no Congresso Nacional o Projeto de Lei 08 (PLN 08/2016) que libera recursos suplementares de R$ 702,4 milhões ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O recurso deve ser usado para acertar as contas do governo federal com os agentes financeiros do Fies (Banco do Brasil e Caixa Econômica).

A liberação do crédito é essencial para retomar o sistema de aditamentos, contudo, esta é a quarta tentativa de votação já que as três primeiras foram adiadas por falta de quórum. "Acreditamos que dessa vez vai ocorrer", explica o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas. Caso contrário, o especialista aponta que a operação das pequenas instituições de ensino (400 a 500 alunos) pode ficar comprometida. "É um círculo vicioso. Sem aditamento não tem repasse e sem isso, instituições não conseguem pagar tributos, com o risco de ficar sem o Certificado Negativo de Débitos Fiscais [CND] e consequentemente não poderão receber recursos em 2017", diz. Segundo ele, a dependência de algumas instituições chega a 70% e a falta do recurso inviabiliza a operação.

De acordo com a ABMES, atualmente cerca de 1.358 instituições de ensino de educação superior (57% do total no País) estão sendo impactadas com o congelamento dos repasses. "As grandes [mantenedoras] suportam um prazo maior, mas as pequenas não", explica. A preocupação, para Sólon, se deve ao prazo para pagar os impostos federais, o 13º salário e outros encargos que estão em cima do prazo. "As pequenas e médias estão sem fôlego para aguentar esta situação. Todas estão com problema de fluxo de caixa", aponta Caldas.

Indignação

Já para a vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, a situação é recorrente na área de educação. "Todo ano falta verba do orçamento e é necessário fazer uma medida provisória para obter recursos suplementares", reclama. Neste ano a situação, segundo ela, causa mais indignação pelo fato de ser um problema de pagamento de encargos financeiros e não falta de orçamento do Fies. "O antigo ministro deixou R$ 300 milhões de provisionamento e ainda faltam R$ 700 milhões, mesmo com as instituições pagando 2% dos encargos educacionais." Para que o projeto seja aprovado hoje, a executiva aponta que as entidades têm entrado em contato com senadores e deputados para confirmar a presença. Mesmo com os problemas atuais, a perspectiva é que 2017 seja melhor. "O orçamento está completo e aprovado. Será o primeiro em muito tempo", analisa.

Receita depende do Fies

FiesMesmo que o recurso seja liberado entre os dias 4 e 5 de outubro, o presidente do Grupo Cetec Educacional, Thiago Rodrigues Pegas, revela que o prazo para a obtenção do recurso deva demorar até dois meses. "Não se resolve em uma canetada, já atrasou o semestre inteiro e as empresas estão desembolsando dinheiro do caixa", diz ao mencionar que tanto grandes quanto pequenas empresas estão sofrendo com a situação. "Todas têm compromissos." Na Cetec, cerca de 24% da receita depende do Fies e a perspectiva é que o número chegue a 20% em 2017 e continue caindo ano a ano. "Com as novas regras, os alunos que sairão no final do ano não serão repostos", explica.

Somado a isso, o executivo aponta que, com os atuais problemas, muitos alunos podem repensar antes de procurar o financiamento com medo de ter algum entrave. "Não encontraremos uma fonte que substitua o Fies, as instituições deverão ter um leque de opções a partir de agora", ressalta. Apesar das incertezas, o executivo aponta que deverá continuar ofertando o Fies. "Junto com outros instrumentos de crédito para complementar", conclui. A dificuldade, segundo ele, será nas instituições com maior dependência do financiamento do governo. "Depois de 20 anos de crescimento, o mercado deve se ajustar."

Para o consultor da Hoper Educação, Pedro Mena, a probabilidade de falências por conta da falta de recursos no segundo semestre são pequenas. "Em 2014 cerca de 10% das instituições que usaram o Fies têm dependência igual ou maior a 50% de sua receita, e esse número deve ter diminuído", diz. Por conta disso, o executivo não descarta as falências, mas acentua que, no entanto, muitas delas têm realizado empréstimos nos bancos para conseguir lidar com as despesas ao longo deste ano. "O que não é o ideal, mas tem acontecido", explicou ele ao DCI. O risco dos aditamentos em atraso, segundo ele, é o número de títulos de dívida que fica na mão das mantenedoras. "Elas vão receber deste semestre e solicitar do próximo. Se o governo limitar a compra de título elas podem demorar para ter o valor líquido", aponta ao relembrar que isso já aconteceu antes.

Competição acirrada

Questionado sobre a retomada do Fies, o especialista da Hopper aponta que o mercado deverá reajustar primeiro a mão de obra que está ingressando para entender qual a capacidade de pagamento desta geração que entra no mercado em uma economia em transição. "O governo deve esperar de quatro a cinco anos para estudar o perfil de quem iniciou o contrato agora. Só em 2020 devemos ver um reequilíbrio", comenta.

De acordo com ele, a estratégia consiste em diminuir o número de ingressantes no Fies de forma que os contratos finalizados (de amortização da dívida) sejam maiores que os operados, diminuindo assim os riscos da inadimplência. "Isso é uma estratégia que funciona em longo prazo. Só vai depender se o governo irá planejar para longo ou curto prazo", completa. Ainda segundo ele, mesmo que o governo decida retomar o Fies, o volume desembolsado não deverá atingir patamares históricos como dois anos atrás. "Acho que eles deverão buscar um equilíbrio", conclui.

 

Você pode gostar também
Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você esteja de acordo com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. Aceito Mais detalhes