Racismo estrutural: especialistas explicam porque a discriminação ainda cria raízes no Brasil

Muita gente não sabe que o racismo estrutural infelizmente existe, e está muito presente. Esse tipo de preconceito é tido quase que involuntariamente. Isso porque, eles são tão naturalizados pela sociedade, que se cristalizam

O racismo estrutural faz parte do passado e do presente do Brasil. Apesar de 56,10% da população brasileira ter se declarado negra em 2019, ainda estão em desvantagem social. Um exemplo rápido: atualmente, o Brasil está no seu 38º Presidente da República. Sabe quantos presidentes negros nosso país já teve? Um.

Afinal, como ele surgiu e como se mantém? Para responder essas perguntas, o jornal DCI conversou com especialistas para definir alguns conceitos sobre racismo estrutural.

O que é racismo estrutural?

Para que fique claro, é importante lembrar que o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Isso significa que, até 130 anos atrás, os negros eram mantidos em condições subumanas. E quando, finalmente a escravidão foi abolida, nenhum direito lhes foi garantido.

Foi após esse período que a imagem do negro foi associada à inferioridade ou àquele que é sujo. E por mais que a sociedade tenha evoluído muito, o racismo criou raízes no Brasil. De acordo com Kiusam de Oliveira, Doutora em educação, que desenvolveu atividades formativas para educadores e profissionais com temáticas relacionadas à questões étnico-raciais, entender a outra pessoa como valendo menos a partir de suas características físicas está presente em muito mais coisas do que se pode imaginar. “Não são só raízes de uma árvore, que subterrâneas se desenvolvem nas profundezas da terra. O racismo também se dá nas esferas da política, da economia e da subjetividade”, alerta.

Para a professora de Psicologia da Anhanguera Campo Limpo, muito ativa em causas antirracistas, Vera Regina Aparecida Faria, é possível observar, principalmente no Brasil, que o racismo é um processo histórico que modela toda sociedade e permeia as relações sociais. “O racismo estrutural evidencia o fato de que determinadas sociedades se estruturam com base na discriminação”, avaliou.

A especialista ainda disse que as ações discriminatórias se solidificam com o passar do tempo e se cristalizam, e tornam-se quase imperceptíveis e naturalizadas na sociedade. E, justamente por isso, acabam perpetuadas por hábitos, falas, conjuntos de práticas que se infiltram no cotidiano das pessoas - que sem demora, passam a ver como algo comum ou de pouca importância. Então sim, o racismo estrutural não só existe, como, uma das formas em que pode ser vivido, é através do racismo institucional.

O que é racismo institucional?

Para Vera, o racismo institucional está relacionado com a forma diferenciada de tratamento das pessoas de raças diferentes dentro de uma instituição, seja ela pública ou privada. O que significa estabelecer preferências, privilégios e até mesmo causar prejuízos a uma pessoa em função de sua cor. Esse tipo de ação pode ocorrer de forma direta ou indireta. “Em resumo, o racismo estrutural é um sistema de desigualdade baseado em raça praticado dentro das instituições”.

Para Kiusam, antigamente, esse tipo de discriminação era muito comum nos campos de empregos dos jornais, por exemplo, onde era solicitado o envio do currículo com foto, porque o requisito era ter uma “boa aparência” - o que significava ser branco e ter cabelos lisos. Mas, graças às lutas dos movimentos negros, essa imposição caiu por terra.

“Atualmente, os formatos da exclusão são mais requintados e menos explícitos. No entanto, são amplamente utilizados em uma entrevista”, explica a doutora. Para Kiusam, mesmo que um profissional negro seja contratado, o racismo institucional ainda é aplicado. “É complicado para um negro ver que, no geral, apesar de estar em uma empresa por 20 anos, e saber tudo sobre ela, são os profissionais brancos, mais novos e até mesmo sem experiência, que acessarão espaços de chefia ou comando. A justificativa sempre recai no não perfil da pessoa negra para assumir liderança”, explica.

Existe racismo individual?

Sim, afinal, se é possível que a pessoa esteja tão envolvida em uma estrutura racista que não perceba seus próprios atos discriminatórios, é possível validar o racismo individual. De acordo com Kiusam, o primeiro passo para fugir desse ciclo vicioso, que o racismo estrutural causa, é entrar na luta. Brancos e negros, juntos devem reivindicar e proporcionar as mudanças capazes de diluir o racismo estrutural do país.

A professora ainda cita o romance “O leopardo” (1959) e afirma:

“Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.

Todos nós somos racistas?

De acordo com as especialistas, sim. “Estamos em um país onde é difícil escapar das influências do racismo estrutural. Em algum momento de nossas vidas, mais ou menos vezes, podemos expressar um pensamento ou atitude racista”, explicou Vera. Mas, a psicóloga avaliou que o importante é observar e refletir sobre esses pensamentos e não negar o que se está sentindo. É preciso entender o que motivou e quais as consequências desses sentimentos para a pessoa e para as pessoas que estão a volta dela.

A psicóloga ainda usou uma frase de Nelson Mandela para afirmar:

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.

É possível melhorar esse cenário?

Manifestação racismo estrutural
(foto: divulgação)

Para Vera, existem frentes que podem ajudar no processo de construção de um cenário melhor quando se fala em racismo. “Acredito que temos uma juventude bem ativa e que está cada vez mais assumindo sua negritude. O momento é de tomada de consciência e prontidão para uma caminhada longa, mas de mudanças”.
Já Kiusam, acredita que esse processo acontecerá a passos lentos. “Vivemos hoje com discursos da perversidade, da futilidade e da ameaça - ambos reais. Por isso, fica bem difícil imaginarmos, sair deste momento longo e penoso tão cedo”.

Racismo é crime!

Racismo estrutural 3
(foto: divulgação)

Graças à Lei Caó 7.716, de 1989, devem ser punidos, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor. Ou seja, o racismo se tornou crime inafiançável e imprescritível com pena de reclusão de até cinco anos. Denuncie! 

5 livros para sabermos mais sobre racismo estrutural

  • Pequeno manual antirracista de Djamila Ribeiro
  • Escritos de uma vida de Sueli Ribeiro
  • Racismo estrutural de Silvio Almeida
  • Rediscutindo a mestiçagem no Brasil de Kabengele Munanga
  • Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário: Cor e Raça na Sociabilidade Brasileira de Lilia Moritz Schwarcz

Se preferir, veja 8 filmes e séries para entender o racismo estrutural

Filme histórias cruzadas
(foto: divulgação)
  • Estrelas além do tempo
  • 12 anos de escravidão
  • Olhos que condenam
  • Green book – O guia
  • Homens de honra
  • Cara gente branca
  • O ódio que você semeia

Fontes: Kiusam de Oliveira é escritora e Doutora em educação. A especialista desenvolveu atividades formativas para educadores e profissionais de todas as áreas juntamente às instituições públicas e privadas. As temáticas eram relacionadas à questões étnico-raciais | Vera Regina Aparecida Faria é professora de Psicologia da Anhanguera Campo Limpo.

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