O que é o marco temporal de terras indígenas no Brasil?

Indígenas e ruralistas estão nas pontas dessa disputa judicial, em relação a terras espalhadas por todo o Brasil

Você sabe o que é o marco temporal de terras indígenas? Muitas coisas estão em jogo nessa disputa judicial, que pretende retirar a oficialização de algumas terras indígenas já homologadas, assim como alterar alguns dispositivos que beneficiariam os grandes produtores rurais.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a proposta, enquanto muitos manifestantes, contrários ou favoráveis, se posicionam em relação ao assunto.

O que é marco temporal de terras indígenas?

O marco temporal de terras indígenas é uma tese jurídica que entende que os indígenas só podem reivindicar as demarcações de reservas já ocupadas por esses grupos antes da data da Constituição de 1988. Assim, tudo o que aconteceu nas últimas três décadas será invalidado.

Há oito anos, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre (RS), aceitou essa tese do marco temporal quando concedeu ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena (TI) Ibirama LaKlãnõ.

Essa decisão se baseou em outra, que aconteceu em 2009, há 12 anos, quando a Justiça Federal em Santa Catarina fez ação semelhante.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com recurso no STF, quando esses fatos aconteceram, e por isso, o Supremo está analisando toda a questão e deverá decidir quais serão os critérios adotados no Brasil.

Segundo o assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, esse processo tem ocupado boa parte da agenda jurídica do Brasil, por ter repercussão geral reconhecida. Dessa forma, as decisões tomadas ali definirão tudo o que é aplicado e legislado em território brasileiro. "Ou seja, a decisão que se tomar ali vai servir de diretriz para as terras indígenas de todo o Brasil", diz ao DCI.

Desde 26 de agosto de 2021, o órgão máximo da Justiça brasileira está julgando o processo, e deverá contar com a votação de cada ministro.

Qual o impacto aos povos indígenas

"O futuro dos povos indígenas está em jogo", afirma Eloy. Segundo o advogado, tal decisão pode definir centenas de processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. Isso gerou, inclusive, manifestações por todo o Brasil - em rodovias e também em Brasília.

A Constituição Federal de 1988 garante a demarcação de terras indígenas como um "direito originário" que esses grupos têm sobre as suas terras ancestrais. Ou seja, isso indica que, pela Lei, eles são os primeiros e naturais donos desses territórios.

Assim, União é obrigada a garantir o acesso e direito às terras que, originalmente, eram ocupadas por indígenas.

Para ele, são duas teses em disputa. De um um lado, os indígenas defendem os seus direitos, que não estão relacionados apenas com a Constituição, feita em 1988. Seriam, para ele, um "direito originário dos povos indígenas, como está escrito na Constituição". Ou seja, algo que deveria ser priorizado muito antes das atuais leis.

O Instituto Socioambiental (ISA) afirma que essa tese, do marco temporal, já vem sendo aplicada pelo governo federal, para que demarcações não sejam feitas. Em toda a gestão, não houve nenhuma apropriação nova.

Além disso, especialistas e defensores da questão indígena entendem que terras já homologadas serão canceladas. No entanto, muitos fazendeiros argumentam que há necessidade de se garantir uma "segurança jurídica" e apontam o risco de desapropriações caso a tese seja derrubada.

Como está o julgamento agora

Atualmente, o STF faz reuniões semanais para definir os votos de cada ministro. Esse processo foi incluído em pauta mais de uma vez, como em outubro do ano passado, mas foi retirado. Neste ano, em julho, entrou em plenário.

O ministro Edson Fachin, contrário a proposta, entende que a posse deve ter como base a Constituição. Para ele, isso já garante o direito originários às terras.

Quando votou, ele disse que “autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo. Além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação".

Além disso, Luiz Fux também se posicionou contrariamente. Nesse caso, Eloy entende que a decisão teve "algo inovador", pela importância do processo, que foi o ministro ter deferido cinco minutos para todos os amici curiae (amigos da causa) na sessão. "Pelo regimento do Tribunal, são 30 minutos para todos, mais de 20 amici curiae. Então, seria menos de um minuto para cada um".

"Algumas pessoas dizem que estão atrasando, mas acho que estão seguindo a própria sistemática. Quando fazem votos em processos de grande repercussão, usam bastante tempo. A gente já previa que seria um julgamento que duraria bastante", aponta.

Ele acredita que, com o atual STF, é possível um posicionamento favorável a indígenas. Contudo, eventuais mudanças no quadro ministerial podem acontecer. "Sabemos que a composição do Tribunal pode mudar, com aposentadoria ou saída de ministros. Na atual circunstância, temos pressa para que seja algo julgado, até porque temos muitas comunidades indígenas acampadas em beiras de estrada e em fundos de fazendas".

“Essa demora beneficia apenas os fazendeiros que estão explorando as terras indígenas”, diz Eloy.

Outros projetos

Por fim, um projeto corre na Câmara, para além do processo que corre no STF. Trata-se do projeto de lei (PL) 490/2007, que determina que só quem estava na terra no dia da publicação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, pode ter direito a essa posse.

A proposta também quer alterar o Estatuto do Índio para que não-indígenas possam explorar atividades econômicas nessas terras.

A Comissão de Direitos Humanos rejeitou o texto em 2009. No entanto, durante as últimas eleições para a presidência, o então candidato Jair Bolsonaro prometeu acabar com reservas indígenas no Brasil.

Assim, a proposta foi ressuscitada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). Ela entendeu que o PL é constitucional. Atualmente, o projeto aguarda plenário da Câmara dos Deputados e depois passa pelo Senado.

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